Estudar é privilégio


Precisamos falar: estudar no Brasil ainda é um privilégio!

Eu vim de uma família muito humilde. Quando meus pais se divorciaram, minha mãe trabalhou como doméstica para sustentar eu e meus irmãos e nós sofremos. Muito! Eu sempre soube que um caminho para não passar pelo que ela passou era a educação. Na minha ingenuidade infantil, seria fácil, afinal de contas, eu sempre amei estudar, eu era uma boa aluna. Sai do ensino médio feito em uma escola pública enquanto eu cuidava de quatro crianças e fazia bicos de babá e feirante, e a realidade bateu na minha cara: a universidade pública não era pra mim. Tentei duas vezes, sem sucesso. Em 2004, passei na Universidade Católica de Goiás no vestibular de múltipla escolha. Entre Direito, Psicologia e Letras, eu escolhi a última opção. 

Sonhava ser escritora como Cora Coralina.

Terminei o primeiro semestre atolada em dívidas. Fiquei seis meses sem estudar, mudei de emprego, renegociei a dívida e voltei. Eu amava o curso! Pra economizar, voltava a pé para casa. A caminhada de 4 km diários não foi suficiente. Tire que parar. É uma escolha dura. Pagar as contas de casa, comer ou estudar. Esse é o grande dilema do pobre: não ganhar o suficiente pra estudar e não ter a oportunidade de receber um salário melhor porque não estudou. Uma engrenagem feita para nos manter onde estamos.

Fui trabalhar. Trabalhei pra burro como secretária de médico. Era boa na profissão, mas ela estava longe de ser o que eu sonhei. Eu não via como sair dali e tentei estudar mais uma vez. Administração à distância. Quem sabe eu conseguiria um cargo de gestora em um desses hospitais. ODIEI. Aquilo não era pra mim, parei novamente. Putz, ferrou, vou ser secretária pra sempre.

Mas, como diz o menino Neymar Jr, Deus é top. 

Um dia, fazendo o cadastro de uma moça no hospital, ela me disse que era jornalista. “Que legal deve ser. Sempre quis ser jornalista”, respondi. Mentira. Aquilo nunca tinha passado pela minha cabeça. Eu? Moça com uma bagagem cultural tão pequena ser jornalista? Ela retrucou: “Pois vá, nem precisa de diploma mais”. A declaração amargurada de uma profissional que se sentia desvalorizada acendeu uma lâmpada pros meus pés, plantou uma sementinha no meu coração. 

Será?

Era 2009, a eleição do Obama havia acabado de acontecer e o mundo inteiro falava sobre o uso das redes sociais na campanha We Can. Curiosa, eu li tudo sobre o assunto, fiz uns cursos a distância e fui chamada pra ir trabalhar no Tocantins. Aí é história conhecida. Nunca mais parei de trabalhar com comunicação, passei no vestibular da Universidade Federal do Tocantins em 3º lugar e cá estou, concluindo um curso superior 14 anos depois daquela primeira tentativa.

Eu sou uma, de tantos milhões. Uma que teve a sorte de encontrar trabalhos melhores que me possibilitassem pagar um curso superior. Uma que encontrou apoio pra estudar. Uma que não teve que escolher entre comer e se formar. Apesar de tudo, eu ainda me sinto privilegiada. 

Ontem, o IBGE anunciou que mais de 70 milhões de brasileiros estão abaixo da linha da pobreza. São milhões que estão naquela engrenagem que falamos. Muita gente fala sobre meritocracia, mas ela só existe se existir igualdade de oportunidades. O que acontece no Brasil é que para alguns estudar é uma corrida de 100 metros rasos, com o melhor tênis do mercado e treinamento adequado, pra outros são mil metros com barreira e pra muita gente é maratona. 

Eu venci a minha e eu sonho com um país que possibilite a mesma corrida para todos.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A vida sem tireóide

Carta aberta aos meus queridos amigos

Quando meu maior medo se tornou realidade